19.10.10

Não o diga.

Eu sempre escondi essa palavra dentro de mim, e ela sempre se escondeu nos meus pensamentos. A palavra não gostava de ter seu nome dito em voz alta, não gostava do seu som com a minha voz e, por isso, ela nunca se mostrava tão claramente para mim. Mas, ao mesmo tempo, ela adorava deixar marcas de sua existência, e, toda vez que eu me esquecia dela, escrevia suas letras na minha língua. Quando eu sentia o gosto amargo, já era tarde, e a palavra se misturava na saliva. Se misturava a mim.
Por isso, de tanto me sentir vulnerável ao seu controle e, na maior parte do tempo, com medo de que, se eu a contrariasse e a gritasse sem pudor, ela se faria valer rainha no meu coração, eu emudeci por completo. Tratava-a com outros nomes, pela boca de personagens que criava, de dores que imaginava lhe serem semelhantes. Tentava lidar com ela, a palavra censurada.
Mas agora, ela mudou sua conduta. Parece que, tanto quanto eu, procura liberdade. Convocou-me hoje cedo, me contou do seu desejo de ser, de se mostrar, exibir, banhar-se em significado. Eu, agora feliz de o fazê-lo, obedeci. E, tentando num tom vacilante não tossir, disse: Perda. Pensei, esse é o substantivo. Disse, então: Perder. Perdi. Perderei. Pensei, entorpecida, esses são verbos. Essa é a palavra dita. De repente, lá estava ela, e me perguntei o porquê do meu receio por seu poder. Agora estávamos juntas, a Perda e eu, e, por alguns segundos, pensei que isso seria bom.

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