21.4.11

Bem-te-vi

Um pássaro voou para mim, mostrou como é ser livre, trouxe esperança. Lembra de mim?, ele disse. Então voou para longe.
Eu lembrei dele, o pássaro que morava em mim, aqui no meu coração e no meu pulmão e sei lá mais aonde.
Senti suas asas batendo dentro do meu peito, seu canto ressoando no meu pensamento. Eu era hóspede de suas penas negras. Senti saudade do pássaro, um outro, que saiu pela minha garganta, pelos meus olhos, pelos meus poros, e se pôs a voar sem mim, migrando entorpecido para o sul, ou aonde quer que seja o destino dos sentimentos sentidos.

11.4.11

Eucentrismo

Quase ninguém que me conhece, conhece quem eu sou, o que eu sou. Meu 'quem' se esconde do mundo, sendo 'eu' numa outra língua, acho que só eu sei ler. E, assim, eu me torno a cada segundo um único dó da sinfonia que eu guardo aqui dentro. Eu mantenho um leve sussurro do grito e da música que tem, sustento uma gota de tinta das milhões de cores do meu pensamento. É impossível me ver tridimencional, se você é só um outro, não sei porque, apenas que não dá mesmo. Acontece de vez em quando, no entanto. É estranho ter o irreconheível armazenado; meu 'eu' não se vê a olho nu.

Uma frase.

Tem que ser muito eu mesmo(a), para me aturar.

9.4.11

22:22h

Começou a ventar forte. Um vento esbarrou no vidro do carro. Um cachorro latiu e foi silenciado pelo som das folhas das árvores. Era noite. Uma pessoa saiu de um carro com náuseas. Uma porta bateu em algum lugar longe. Um carro passou lentamente na rua, rente à calçada. O vento empurrava a pessoa, que caminhava apressada segurando (ou segurando-se) aos seus cabelos. Um monte de papel usado formava um mini redemoinho em um canto sujo. Vultos no escuro. Uma pessoa olhou em volta, procurando rostos?, que rostos.. Essa pessoa chegou, enfim, entrou; elevador, corredor, casa. Correu até a janela, abriu -vento - olhou para baixo. Lá estava o carro, acelerando em direção contrária. Aquela pessoa continuou com o vento no rosto e percebeu que perdera o foco, percebeu um arrepio. A rua ruminante era banhada pelo luar doente que modestamente luzia. Uma outra pessoa, em uma outra janela, tapava os olhos com as mãos.

8.4.11

Maresia

Quais são os momentos da minha vida dos quais eu me lembrarei? Queria poder saber quais as memórias que me farão sorrir sozinha, olhando para uma noite aleatória por uma janela. O que me fará ficar séria, séria de tanto querer reviver. Anseio já pelo nome sagrado da minha nostalgia, do meu 'omelete de amoras'. Gosto de pensar que é o cheiro de 'linzer', as flores cor de rosa na rua da colina, onde antes tinha a casa da qual me mudei até hoje não sei porque. Penso que serão os docinhos da Cavé, os passeios perdidos pelas ruas do centro da cidade, o Gabinete Português de Leitura, sempre com meu pai. Sinto as viagens de carro com minha mãe para praias vazias, só com mar e mata atrás, o cheiro de maresia, as comidinhas no quarto de hotel, as aventuras por vilas de pescadores conversando com pessoas cujos nomes não me importa saber. Gosto de imaginar-me velhinha, antes de dormir, sacando meu álbum virtual na minha mente, e vendo as cantorias no carro, meus sonhos quebrados, meus amores espontâneos e imaculados. No canto das dores, vejo a pscina do clube Municipal, onde tomava aulas de natação, sob a luz do luar e a luz da sala de dança logo à frente; meninas de fru-fru treinavam seus 'pliés' e eu olhava e esperava, tão em vão que nem sei como esperar, sonhava trocar meu maio sem graça por um collaint como o da Svetlana. Pessoas que eu perdi, coisas que eu perdi, promessas que eu perdi. Há, sim, um grande prazer em se render ao lugar mágico onde rezide aquela parte de mim que já foi no tempo, aquela parte do tempo que já está em mim. Mesmo doendo, não machuca. Mesmo me roendo de paixão, como poderia sumir, ou algum dia desejar não tê-lo, anseio de ter o passado em minhas mãos. Não excluo o amor pelo futuro e ainda mais pelo presente, mas como é bom passar o dedo pelos cachos dormidos de uma vida vivida. Quem sou eu, aqui com 18 anos, falando de nostalgia?

1.4.11

Síndrome do vagão lotado

Outro dia foi dia - e que dia - de momentos que simplesmente não se entende. Nesse dia eu estava no metrô, lendo sobre o Grande Meaulness, e senti um par de olhos em mim. Senti que era vigiada, levantei a cabeça e esbarrei com um rosto dormente de um homem idoso que me olhava tão firmemente que eu quase levantei. Depois de um segundo de desconforto, aqueles olhos saíram de mim. A partir daí tudo naquele vagão me fitava, e eu fui sufocada pela visão alheia. Sem saber o que fazer, resolvi concentrar-me em minhas mãos, mas então minha nuca foi curvada, mais uma vez, pela presença virtual de um olhar. Procurei, vi retinas, globos oculares, lentes, cores, íris. Senti vontade de sair correndo no abrir de portas seguinte, sem saber qual era a estação. Segui aliviada pela roleta, porta, e estava livre novamente. Os olhares murchavam e caíam das minhas costas, jaziam no chão. Derepente, abri os olhos e percebi que havia adormecido, acordara no ponto final e todos os demais passageiros não estavam mais no vagão. Eu não era olhada por ninguém, tinha certeza, e pude voltar à razão. Caminhei para fora me concentrando no pesadelo que ainda não se despedira da minha mente, e ri de mim mesma. Passei, então, por um espelho e, ao me ver andando, senti uma vontade gritante de correr.