23.5.09

Reflexões de Norman Bates

Embalsamar é belo. Como não? Veja todos esses animais; sua natureza foi eternizada. Muitos outros poderão contempla-los como a uma obra de arte.
Verão a incrível magia do amor. Como ele, sozinho, pode transformar as criaturas vivas, em algo tão maior.
Oh, quem me dera ter quem limpasse meu interior de tudo que fosse apodrecer, e me fizesse imortal. Se pudesse, eu o faria.
Prazer imenso; transformei meus pássaros. O vício começou e eu me tornei mestre em embalsamar tudo o que via que me chamava a atenção.
Como aqueles ratos são interessantes.
Como aquele peixe tem um formato exótico.
Como aquela doninha é engraçada.
Oh... como aquela mulher é linda.

Todos finalmente, felizes na minha sala. Eles não poderiam querer nada mais. Realizei o sonho deles e agora, eles me fazem compania por puro afeto; como me amam!
Afinal, como poderiam não amar? Sempre fui assim, lotado de caráter e doçura. Eles me veem, todas as noites. Deixe que percebam, eles dirão uns aos outros, em segredo.
Eles sim, somente meus amigos verdadeiros, mudos e estáticos, sabem que eu nunca machucaria nem sequer uma mosca.

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OBS da autora: Para quem não viu, esse texto é inspirado no filme Psicose de Alfred Hitchcook. As "reflexões de Norman Bates" é o que eu imagino que o personagem pensava, imaginava durante o período de isolamento com sua mamãe. Ah, aquela doce senhora. Mas não vou me demorar falando sobre isso. Só digo que, quando se trata da arte de embalsamar, Norman Bates dá um show.

19.5.09

Nome de coisa!



Justamente hoje, ao acordar, percebi que toda minha neve havia sumido!
Procurei em toda parte e nada achei. Somente poças pequenas e médias.
Perguntei à mamãe e papai, que nada sabiam. Não tinha irmão; mas quem queria irmãos?
Eu não. Mas certamente a neve era fundamental.
Daí eu fui assuntando com o urso. Ele só queria saber de mel.
Tentei também com as focas, que estavam pescando seu peixe e nem bola me deram.
Ora, vejam! Toda a neve fora embora e só eu percebi.
Desistir, eu não iria. Fui checar se o sábio-homem podia me dizer alguma coisa.
De todas as metáforas, tirei a dica: procurar e só. Não era grande coisa.
Na verdade, não era nada! Homem-sábio é uma farsa.
Mas, não tendo opções, segui o caminho para o sul, onde eu nunca tivera ido até então.
Acontece de ser um lugar cheio de mitos e lendas estranhas.
Dizem ter milhões de outros homens; diferentes daqueles que temos lá na terra Branca.
Um deles devia ter minha resposta. Se não, um dos animais bizarros dos quais tanto li.
Tantos que nem adiantava tentar decorar o nome.
Bom, eu só decorara o meu nome e de papai e mamãe.
Respectivamente: Piu, Zef e Myli.
Não estava disposto a decorar nenhum mais! Nomes são para coisas, não para pinguim!
No caminho para não sei direito onde, eu encontrei com meia dúzia de pássaros que não interromperam seu voo para saber o que um pinguim fazia andando por aquelas bandas.
Esbarrei, finalmente, com uma borboleta que me disse que voltasse, antes que todo o resto da neve sumisse de vez.
Quando pedi que se explicasse, a borboleta partiu sem dar tchau e sumiu entre as árvores.
Sentia fome e calor. Muito calor...
Será que não haveria nenhum homenzinho sequer que soubesse de neve?
Sim! Aquele no chalé devia ser entendido. Ele estava fazendo comida quando eu apareci na sua janela. Que cheiro gostoso; minha fome só aumentava.

- Quero a neve de volta!

- O que? Vish! É um pinguim! Qual seu nome?

- Piu. Mas nomes são para coisas. Cadê a minha neve?

- Derreteu.

- Por que?

- Porque sim.

- Por que?

- Ora, já disse! Que mais quer de mim?

- Como faço para que ela volte?

O homem tinha cara de peixe-boi. Estava de fato perdendo tempo valioso com ele. O que afinal era 'derreter'?

- Escute, sabe onde encontro quem me explique?

- Entre. Vou fazer um telefonema e você pode falar com o doutor.

A casa era cafona, mas confortável. Assustei-me com a enorme cabeça de alce pendurada na parede. Será que ele também tinha um nome? Resolvi chamá-lo de Mog, já que era só uma coisa agora.

- Alô? Preciso tratar com o doutor. Sim, agora mesmo. Sobre o derretimento da neve. Sim, neve. Não, é para um pinguim. Certo.
Ele me passou o telefon, aparelho que nunca tinha visto na vida. Não entendia como um telefone-doutor podia me revelar coisa alguma, mas fui em frente.
- Quero a neve!
A voz estridente saía daquela caixinha engraçada e, aleluia! Obtive informações que me valessem de alguma coisa!
- Trato com quem?
- Piu.
- Senhor Piu, tivemos que derreter sua neve.
- Por que?
- Porque tivemos que aumentar a temperatura.
- Por que?
- Porque tínhamos que produzir muitas coisas.
- Por que?
- Porque coisas fazem o homem feliz.
- Mas e minha neve?

- Se foi para sempre.

- E para onde vão as coisas?

O homem demorou para responder. Eu estava irritado. Queria comer um bom peixe e parar de suar! Bolotas !

- As coisas ficam no mundo para sempre.

- Por que os homens podem ter suas milhões de coisas para sempre e eu preciso abrir mão da neve?

- Porque, já disse, as coisas fazem o homem feliz.

- Não ligo! Devolva o que é meu.

A voz então acabou e entendi que o telefone-doutor não queria mais discutir.

Ele era burro. O outro burro, dono da cabana, me olhava com cara de poucos amigos.

Voltei para casa então, sem nada além de desculpas tolas e mal postas.

Mas, no caminho, comprei um daqueles telefones, já que era uma coisa e poderia me fazer feliz, como faz aos homens.
Mas, chegando lá, só fiz sentir falta da nevinha. O telefone de nada serviu; nem voz tinha!


Passei meu tempo, que agora era muito - sem neve os pinguins ficam extremamente entediados - nomeando as coisas que o homem tanto usava sem piedade e depois não sabia explicar porque queria.

No final, tinha nome para encher um livro:

Dinheiro, moeda, ouro, prata, relógio, roupa...

Ainda não achei um que fosse tão legal quanto a minha nevinha.
Mas já que não tem outro jeito...


16.5.09

Funny Games



A própria capa já diz muito: Pertubadora, obscura e... sexy.


A refilmagem de Funny Games - Violência Gratuita, no Brasil - gerou polêmica entre os críticos de cinema, por trazer à tona uma violência obscura sem precedentes; uma brincadeira, literalmente. Por isso sou contra a mudança do título. O conceito de jogo se encaixa perfeitamente no longa sádico, de forte terror psicológico, dirigido por Haneke em 2007.


A comparação com Laranja Mecânica, de Stanley Kubrick, é de certo modo injusta. A personagem Alex, de Malcolm McDowell, é semelhante em aspectos como a indiferença quase desumana que os assassinos sentem em relação à dor de suas vítimas e o fundo engraçado que as cenas acabam recebendo, por serem, em sua essência, absurdas. Porém, a intenção de Haneke não é simplesmente copiar a tática de crítica política que Stanley ultilizou, mas sim usar da mesma base para começar algo novo.

Abrindo mão completamente de um dos princípios de uma produção cinematográfica, a transparência, o diretor conta a história de modo que o público é obrigado a se acostumar com o fato de muitas vezes o rumo dos acontecimentos não fazer sentido. Como, por exemplo, a personagem Paul. Ela seria um enigma sem resposta até o final do filme, como o próprio desfecho deste.

Dois jovens se apresentam a uma rica família de férias, mãe, pai e um filho de sete anos, como amigos da família vizinha da sua casa de veraneio. Mas rapidamente suas máscaras provocantes caem revelando a verdadeira intenção sádica que os leva àquela casa.



Funny Games é o tipo de produção restrita aos cinemas "cult" e a espectadores alternativos, por ter doses intensivas da mais aterrorizante violência; aquela que não entenderemos de qualquer modo. Então, não espere nada que já tenha visto, nem um final explicado em detalhes. Apenas veja a tortura em diversificadas formas, se conseguir. Uma coisa eu garanto: Os loirinhos de luvinhas brancas vão prender sua atenção!

11.5.09

LIFEBOAT

"Tendo o prisioneiro nazista em mãos, o que fazer era a melhor pergunta que rondava as mentes dos, atualmente, seis passageiros daquela embarcação. Digo a melhor das perguntas pois certamente não era a única a pairar naquela atmosfera de constante contestação; haviam ideais ainda com resquícios iluministas, visando os direitos humanos acima de qualquer impulso gerado por raiva ou comoção, e também tinha o outro lado da moeda, não exatamente anarquista, mas defensor de uma justiça de homem para homem ali e naquele momento.
A verdade era que a situação levava facilmente qualquer mente, racional ou não, para ambos os lados. Então decidimos ir perguntar ao capitão da emarcação o que ele achava daquilo tudo, afinal era a opnião mais bem vista entre as demais.
- Senhor, acontece de termos encontrado este homem, largado à própria sorte em alto mar, e resgatado o coitado do destino certo que lhe seguia; a morte. No entanto, o mesmo especulou, tramou e armou contra nós, enquanto fechávamos os olhos para sua natureza maligna. Quer dizer, como pudemos acreditar nas boas intenções vindas de um seguidor de Hittler? Seria obviamente de sua natureza, como ser maligno, nos apunhalar pelas costas enquanto tentávamos achar um jeito de salvar a todos.
Agora sabemos de suas armadilhas crueis, mas acontece de termos percebido tarde demais, e perdemos 3 passageiros inocentes, que nada deviam nem temiam, mas nem por isso foram poupados das garras do crápula nazista.
Para a justiça reinar em nossas almas, trazendo-nos paz, pensamos em nos vingar, como qualquer outro animal faria. Vedenta simples e dura, entregue num cálice lotado de ódio pela traição absurda que nos foi feita. Nada seria mais conveniente para nós, mas com certeza, não sendo assassinos, como poderíamos derramar sangue de um semelhante.
Afinal, ele veio do mesmo senhor criador; porém, em vida recebera os valores mais obscuros, se tornando, assim, desumano.
O que fazer com um humano que abandonou sua natureza, por uma muito pior? Diga-nos capitão! Para darmos cabo ao sentimento vasto de impunidade que nos assombra.

O capitão ouvia tudo muito desinteressado, o que era estranho. Haviamos posto uma questão existencial que deixaria a mais ignorante das criaturas num dilema sem fim aparente. No entento, ele calmamente estudava o mapa e a bússola; a razão e a direção que nos faltavam para achar terra.
Com o descaso do superior, que olhava de soslaio para nós, sua legítima tripulação, enquando aguardávamos uma resposta digna de sua parte, fez nascer a cólera no coração de uns e o medo no de outros.
E se não houvesse mesmo uma reposta?
De repente, o capitão se endireitou na cadeira à frente da embarcação perguntou como Gus havia morrido.
Gus se tratava do nosso terceiro homem, que falecera de cede e, ao pedir ajuda do nazista, fora jogado ao mar, sem condições de nadar nem forças para pedir nossa ajuda; que dormíamos inocentemente.
Ao relatar a morte de Gus, nosso Gus Smith, nossos olhos se lotaram das mais ternas lágrimas que aquele mar já havia visto.

-Todos dormiam enquanto o alemão provocava a morte de Gus?
- Sim. Não sabíamos de nada...
- Explique-me agora, Keith, porque o fato de estarem dormindo os faz mais inocentes que o acusado!
- Ora! Pois éramos ignorantes da situação, caso o contrário teríamos auxiliado prontamente o resgate do infeliz!
- Você justifica com a demência, um caso sem julgamento! Pois bem! Enquanto dormiam, qualquer coisa poderia acontecer, e aconteceu o pior. Irão agora, nunca mais pegar no sono novamente? Já que têm o conhecimento do risco de não estar à parte de tudo, a única coisa certa a fazer seria ficar de guarda sempre! Mas isso não é e nunca será possível, uma vez que o ser humano tem em sua natureza, a mesma que você diz ter sido abandonada pelo nazista, o erro e a cegueira mesmo que repentina!

Silêncio imediato tomou conta do cômodo, de modo que somente as ondas faziam-se presente; ninguém poderia ser contra o ponto de vista apresentado, mas ao mesmo tempo não seria cristão admitir serem cúmplices de atrocidades contra o irmão!
De um pulo inconciente, Keith despertou a todos do transe ao qual foram induzidos, e disse:
- Então pouco importa se participamos disto direta ou indiretamente. Eu, apenas quero poder dormir de novo, e para isso preciso ter a certeza de que algo foi feito. Então, pare de nos botar contra a parede e dê-nos a resposta!

O capitão, agora aparentando um tédio e descaso, pensava que o que tornava os homens daquela embarcação leigos, era o barulho da onda e do motor, ensurdecendo e calando, levando todos à preguiça de pensar. Tornando a todos carneiros tão feios quanto possam imaginar. Então, reconhecendo a causa perdida de fazer-se entender àqueles homens-carneiros, disse enquanto se retirava do aposento:

- Isso, meus caros, deixem que Gus decida!"

O texto acima foi criado por mim, inspirado no filme de Hitchcock: Life Boat.
Os fatos narrados realmente aconteceram no longa, porém nunca houve um capitão que os guiasse até a resposta certa, até por esta não existir.
De fato, estavam sozinhos no barco com um ser meio huma
no e meio monstro.
Porém, não perceberam que se tornaram eles mesmos, "homens carneiros". Então estavam literalmente no mesmo caminho daquele que mais tarde, seria julgado pelo mesmo capitão, e nem por isso receberia um olhar diferente.
O diretor, de maneira pesada e com uma analogia escondida no fundo de cada diálogo, traz à tona assuntos políticos e sociais, debatendo-os com o público que estiver disposto a tal desafio.
Resta-nos sempre a pergunta final: Afinal, devemos tratar gente, como gente ou como bicho, julgando puramente com nossos prórprios princípios?
Seja como for, se vamos passar tempo indeterminado nesse 'barco', devemos escolher qual dos milhares de animais da fauna iremos reprezentar. Ainda bem que temos grande variedade.