22.12.10

Em branco

Papel molhado.
Borrado,
com linhas turvas.
Pinga uma lágrima,

duas..


Logo,
o papel é uma névoa,
tudo é um branco.
Turvo e nublado.
Então, só então -

então visualizo meu mais sincero poema.

3.12.10

No mundo dos sonhos

- Você aqui de novo. Por que continua voltando?
- Não sei.
- Vá embora.
- Não sei como.
- Então... me acorde.
- Não quero. Quero estar junto, você e eu. É tão solitário aqui.
- Aqui. Eu posso sentir o vazio só de pensar, sempre que você aparece aqui, quando vem me visitar.
- Fique comigo. Eu imploro, eu peço, fique, fique. Vamos juntos parar aqui. Fique e ficaremos, só nós, por favor.

Ela acordou gritando desesperadamente no meio da madrugada. Gritava, pois, atordoada, ela ainda lembrava da voz utópica que implorava. Acordada, então, estava aliviada, abençoada e assustada. Tivera sorte. Outra vez, ela conseguira escapar quase ilesa do silêncio onórico que a pedia para ficar.

25.11.10

Sobre mares e amores engarrafados.

Sou eu, o amor. Quero contar como me transformei de alegria a dor, como posso ser o que sou, mesmo onde estou. Se me lembro bem, você me sugou de suas veias, me colocou numa garrafa vazia, fechou e jogou sem pudor na praia do Arpoador.
Desde então, querida, procuro contar-lhe como estou:
Acordo toda noite boiando inerte à vontade das marés que, quando calmas, ludibriam as ondas para que eu possa aproveitar as estrelas, soberbas, fazendo-me brilhar como mais um ponto de luz no oceano escuro. Por vezes, as correntes marítimas me puxam para o fundo, onde, submerso, eu sufoco no chão arenoso, pertubado com o uníssono rugido engarrafado de outros amores que, assim como eu, convivem solitários embriagados pelo seu próprio conteúdo; vinho vencido, derrotado.
Outrora fui belo, bonito. Hoje, a maresia me tem corroído. Já fui senhor, dono de castelos e regalias. Agora, desejo somente uma rachadura nesse vidro esverdeado, que me liberte, permita que me funda às águas salgadas que me cercam, que me reduza voluntário à imensidão.
Quando fecho os olhos, querida, penso em você, que me fez náufrago. Penso em como me condenou ao mundo líquido maleável de tudo o que fomos. E, acima de tudo, quero que pense em mim. A cada chuva, a cada lágrima salgada, lembre de mim. Um dia, vou achar a rota de volta, sem bússola ou mapa, desaguarei nos seus lábios, farei-a sentir meu gosto avinagrado, sufocarei-a com minha sede infindável. Querida, um dia, eu sei, você voltará a beber desta garrafa, que flutua nômade em águas passadas.

17.11.10

Mariposa refletida.

Ratificada, ela meramente fitava o espelho, absorta na imagem traduzida de uma menina fraca e escassa;
de sua boca lhe escorria ferrugem,
de suas unhas, escorria o caos,
e, dos seus olhos, nada. Inundados de secura.

Ela imundamente existia.
Estudava a epifania clara
naquele conjunto de prata com vidro;
um amor efêmero, doce, ardente, vermelho.

Corpo Doente.

Apenas uma menina, mas compreendia,
ao contemplar-se nua,
sua esquizofrenia.

Ela suportava a memória pungente,
que
escorria.
Memória de um passado sádico,
a encará-la, gemendo indecentemente,
espelhado.

1.11.10

Dilúvio

Eu não juraria um minuto da minha sanidade por aqueles olhos,
mas como eles olham.
Aquele foi o dia chuvoso mais claro de todos.
O cheiro de terra molhada tomou conta do meu sistema respiratório,
o clima frio se esparramou na minha epiderme,
deixando-me arrepiada.
Finalmente,
seus olhos dominam os meus,
prendem meu fôlego ao seu,
grudam sua pele na minha.
De repente,
não preciso sorrir,
não me lembro de cogitar a felicidade,
você está aqui.
Agora chove dentro de mim, também.
E as águas de antes foram lavadas,
levadas pela beleza que você me dá
apenas com um olhar.

19.10.10

Não o diga.

Eu sempre escondi essa palavra dentro de mim, e ela sempre se escondeu nos meus pensamentos. A palavra não gostava de ter seu nome dito em voz alta, não gostava do seu som com a minha voz e, por isso, ela nunca se mostrava tão claramente para mim. Mas, ao mesmo tempo, ela adorava deixar marcas de sua existência, e, toda vez que eu me esquecia dela, escrevia suas letras na minha língua. Quando eu sentia o gosto amargo, já era tarde, e a palavra se misturava na saliva. Se misturava a mim.
Por isso, de tanto me sentir vulnerável ao seu controle e, na maior parte do tempo, com medo de que, se eu a contrariasse e a gritasse sem pudor, ela se faria valer rainha no meu coração, eu emudeci por completo. Tratava-a com outros nomes, pela boca de personagens que criava, de dores que imaginava lhe serem semelhantes. Tentava lidar com ela, a palavra censurada.
Mas agora, ela mudou sua conduta. Parece que, tanto quanto eu, procura liberdade. Convocou-me hoje cedo, me contou do seu desejo de ser, de se mostrar, exibir, banhar-se em significado. Eu, agora feliz de o fazê-lo, obedeci. E, tentando num tom vacilante não tossir, disse: Perda. Pensei, esse é o substantivo. Disse, então: Perder. Perdi. Perderei. Pensei, entorpecida, esses são verbos. Essa é a palavra dita. De repente, lá estava ela, e me perguntei o porquê do meu receio por seu poder. Agora estávamos juntas, a Perda e eu, e, por alguns segundos, pensei que isso seria bom.

14.10.10

Manifesto das Migalhas

Não conheci muitas coisas ou sentimentos depois daqueles dias. Parece que, passado o tudo, lotou-me um monte de nada. E esse inexistente conteúdo me deixa sempre sufocada de vazio. É vazio da ponta dos dedos até os fios de cabelo. Sinto-me carregada pela força do nulo, levando-me ao mundo, como se eu mesma me estivesse guiando.É engraçado observar o rumo que meus pés acabam tomando; obviamente pés não tem memória, e os meus estão sempre me demonstrando tamanha levianidade quanto aos acontecimentos do passado. Os pés sempre cambaleiam para onde já deixei um pouco de mim. Levam-me de volta e de volta ao erro conhecido. Palavras mal ditas e vazias de significante, eu digo. Quedas de mal jeito e colisões indesejadas, eu cometo repetidas vezes. Mas de tudo, resta nada. De você, só migalhas de coisas e sentimentos bons. Daqueles dias, só fotos e cartas.
Quero uma nova reta, sem muitos desvios dessa vez. Uma que não deixe meus pés viciados no mesmo pecado. Eu rogo por memória com liberdade para esperar mais que a rotina alejada que me guia nessa estrada. Eu confesso meus passos, dê-me paz.

12.10.10

Eu olhei...

para trás. Foi isso, não deveria tê-lo feito. Agora tenho essa maldita dor no músculo do pescoço, cuja rigidez me obriga a olhar para trás periodicamente, para aliviar a tensão. Mas, na medida que ajuda nesse aspecto, trouxe-me tantas vezes de volta as recordações que eu poderia ter deixado para... trás. No tempo, na história, no passado, eu continuo encarando mais do que gostaria. Do que deveria. Agora tenho cravada na nuca a sentença a procurar instintivamente a mesma rota já percorrida, e, pior, a olhá-la, sem poder remediar, mudar ou... esquecer.

27.9.10

Réu primário

- Jura dizer somente a verdade, nada mais que a verdade? Sim, disse ela, assentindo levemente com a cabeça. Ela jurava muitas outras coisas naquele momento, mas agora era a hora da verdade, que rastejava-se aos seus pés toda a noite, ao som de I Pagliaci, sem lhe dar o consolo do sono. E começou:
Ele realizava pequenos furtos, quase diariamente. E eu não ligava, fingia que não via, pois não passava de alguns beijos roubados, olhares furtivos. Em sequencia, ele me tirou o direito de ir e vir, ao algemar nossos corpos e sussurrar suas sentenças no meu ouvido. Tirou-me a liberdade de expressão, manipulando meu maxilar e meus lábios para que tudo o que saísse da minha boca não passasse de um palavreado desgovernado em língua estrangeira, sem contexto algum , senão o dele. Esse amor hospedou-se clandestinamente no meu sistema nervoso central. Parece ludibriar meus neoronios a fim de me controlar por completo, divergindo-se de todas as cláusulas do nosso contrato. Uma das piores partes é a tortura; o amor sapateou nos Direitos Humanos, pondo-me em condição de refém e expondo-me às piores agonias de amor e paixão. Criminoso, ele, que, finalmente, acabou por roubar-me de mim, sem ao menos ser decente o bastante para oferecer trégua. Hoje, então, acordei meu coração advogado e saí do meu cárcere privado para acusá-lo, esse amor viciado em domínio e onipresença, que vendou meus olhos e vendeu meu futuro por um tostão. Ele é minha úlcera, minha catarata, minha arritmia cardíaca, meu câncer. Meu amor me dividiu em soluços e fantasmas. Ele que pague o preço de matar todos os demais sentimentos! Jogue-o na cadeia, ela clamava, e deixe a chave da cela comigo, ela, a mulher amada.

Fez-se silêncio na corte. O juri ponderava as evidências, o juiz registrava o testemunho e, sentado no banco do réu - como que sentado em uma cadeira elétrica - estava o amor ditador, que, acossado, deslumbrava, "confortavelmente entorpecido", o crime de sua existência. A verdade, agora, agonizava ao som de Nessun Dorma.

9.8.10

Agouro

É chegado Agosto,
que desgosto.
Desilusão.
É chegado Agosto,
permanece o gosto.
Paixão.
Já se vai, então,
no som tosco,
de um escárnio pagão.

8.8.10

Maria Fumaça


Ontem mesmo, meu bem, me peguei tricotando com uma linha, daquele cinza cor-de-fumaça, o nosso poema mal pontuado. Fiquei surpresa como o redemoinho que minhas agulhas estabeleciam com a linha, lembrou-me sua locomotiva à vapor. Parece que ainda inspiro o ar poluido da estação em que esperava, de mala e cuia, o trem. Ou melhor, esperava você. Você era bonito como um Barão ou um Conde. Sua presença se fazia penetrante em mim, como combustível, indispensável, a um motor. Queria poder sair correndo e abandonar minha bagagem de bobagens, partindo para sua realidade maquinária. Achava que meu amor era o fim da linha para você, mas era, afinal, só mais uma parada. Não fui, jamais, a dama que deveria sentar-se ao seu lado. Veja só, como envelheci mal; meus dedos são enrugados de dar dó, meu cabelo crespo parece que foi eletrocutado e meu olhar liquidou-se como um leite derramado. Seu amor acabou por ser o trem ligeiro que deixou a estação antes que eu pudesse me jogar na frente. E, você, meu Barão ou Conde, acabou sendo a fumaça que contagiou meus bronquíolos de folículo cinza. Cinza que nem essa linha do meu tricô, do nosso poema.

28.6.10

Manifesto Nanquim

Alguns dias eu acordo, e não sinto sono, não sinto vontade de acordar, não sinto nada. Então, dou-me por mim; um corpo sujo de nanquim, com a pele cheia de eca de tinta. E ponho um fim nas recordações que tais manchas me trazem. Busco, instintivamente, seu amor ao meu lado, você. Seus dedos, seus pés, cabelos, braços, pelos, unhas, lábios. Mas encontro lençóis frios e macios, de uma textura que parte meu coração. Fico estática, percebendo o quão em vão foi acordar, sentindo sua falta num fluxo engarrafado na minha garganta, e freios emperrados.
As energias que me regiam agora dançam em órbita desse amor que morre em mim todo dia. Amor com remetente não localizado que, sem ter para onde ir, se esquece em mim. E morre para renascer amanhã.
Você morre. Toda vez que acordo e me lembro que te perdi, você se vai de novo, para mim. Enfim, seu destino de cetim negro carrega meus olhos de fumaça. E o que restou de mim? Essas marcas de nanquim, das tantas vezes que beijei desesperadamente minhas palavras rabiscadas em minhas cartas negadas. Jamais enviadas, jamais lidas.
Essas manchas das vezes em que me pintei as pontas dos dedos, tentando lhe enviar o amor que ainda há, que não foi enterrado e nunca será.
É sempre assim: eu acordo, lembro, amor. Como eu amo. Faço o café, banho e longas pausas encarando uma parede qualquer; seu rosto. Eu ainda amo.
Sonho com você, penso em você. Penso em como há um fim em mim, que acontece de ser o seu. Sonho que nunca terminaria, nossa vida contida num tanto de carinho que não tornarei a sentir. Como foi nossa despedida, sua morte, minha vida. E, mais uma vez, penso em como consegue ainda ser uma ironia; é, esta, nada além de outra carta para você.

6.6.10

Estátua


Camille bailava com seu cavalheiro bêbado, como dois jacobinos, em passos embolados e mãos emaranhadas. Seu vestido escarlate criava vida. Seu riso ganhava vida, e a própria vida voltava a fazer algum sentido. Sentido esse que havia se apagado perante a luz ofuscante da letra cursiva que assinava sua obra; Rodin. Desde que Camille o abandonara ao único afeto das costas frias de suas esculturas, havia ela mesma se condenado a virar uma. Mas essa noite, ela bailava com um novo homem, dono de uma nova ternura que lhe dava algo indecivrável. Naquele redemoinho de corpos embriagados, vozes excomungadas e mais alguma coisa ausente que a atormentava, ela se deparou com o olhar de pedra de uma velha. Seus olhos traduziam tempos passados, e o presente era acusado de vermelho, naqueles olhos. A feiúra daquela pele enrugada era de dar dó. Tal pele não via o calor de um carinho a muito tempo, pressupôs Camille. Porque a velha a fitava? Tão pedantemente sentada em sua cadeira de veludo preto, com seu vestido de rendas pretas, mais parecia que ela personificava o luto por si mesma. Camille não podia dividir daquilo, e pôs-se para fora deixando velha e acompanhante para trás, correndo contra o ventro frio de uma Paris escura em pedra. "Porque, porque?", chorava. Cobrava de si o porquê de ter-se largado como um mártir ao trabalho de um homem que só lhe viria a ser um mestre. Deixou-o acariciar seu ventre nu, e não perceber que, dentro desse ventre, alimentava um fantasma. Camille sentiu seus gritos ecoarem na surdina. Apenas sua arte a faria falar a partir de agora. A dor que fabricara em mármore, agora lhe escorria pelos olhos de pedra.

21.5.10

Avelã

Entregou os braços ao vento, que soprava forte, levando também seus cabelos cor de avelã. E seus olhos ardiam ofuscados pelo sol, a pele queimava. Ela podia ouvir o som de uma guitarra que ronronava como um felino, profanando acordes sonolentos. Sentia todas as sombras escondidas nas pequenas frestas entre as árvores frondosas.
Ela via o mundo plano e perolado. Jurava que fazia moda sendo assim, clemente de solidão. Gotículas de suor mostravam-se timidamente em sua testa. No crepúsculo, os raios de sol perdiam força, ficando mais fracos gradualmente. Já era noite de novo, e tudo nela esfriava; a pele, o olhar e o coração.
"Então chegou a hora", suspirou. Arrastada, ela vagou inerte entre os campos de trigo, penetrando ingenuamente na noite, à caminho da cidade.
Era hora de matar de novo...

18.5.10

Critério.

O porquê da comodidade morte e vida. Não faz sentido, viver por viver ou morrer por morrer, apenas. Ambos precisam pender em equilíbrio em cada olhar que significa, em cada oportunidade, em cada paixão. Assim: Viver por morrer, porque é natural, mas viver de fato. Achei graça dessas pessoas definitivas, envelhecidas e cheias de 'Dicas". Achei foi uma imensidade de negações antes do clichê de "viver cada momento antes que seja tarde". Mas que óbvio simplório; não é possível não viver momento algum, seja ele grandes coisas ou não. Somente respirar, esperar o tempo e, o que mais?, ser. Posso estar, admito, sem ânimo que me motive a procurar belos pontos de vista. Mas estes bocados de beleza me atingem algumas vezes ao dia, em todo caso. Mesmo sem energia, hoje, me sinto cruamente viva nessa indecisão de crescer. Como se eu tivesse alguma escolha em mãos. Agora, que estou na véspera de todo o resto do meu plano-base; faculdade, trabalho, fim da rotina como eu a conhecia, estou também na estréia de uma vida inédita. Cheia de quinas, de balizas e derrapadas. Riquezas sortidas e tristezas previamente sofridas e esquecidas. Posso quase sentir o cheiro, o gosto, o toque quente desse todo. Defini-lo, no entanto, é insano.

16.5.10

24h

Ele acordou para abrir os olhos e ver que o travesseiro no qual estava deitado não era o seu. Os lençois que emaranhavam suas pernas também não eram seus, tanto quanto o quarto e a mobília eram estranhos. Sua mão, quase que movida por uma força própria que fugia do resto do seu corpo, subiu até seus olhos, para esfregá-los metodicamente. Se ele decidir levantar para abrir as cortinas, não só a luz desconfortável da manhã feia de sua cidade invadiria seu quarto, como o barulho dos automóveis. Mas em lugar algum, digo, além do quarto, ele estaria tão ciente dos seus passos até aquela cama; seu passado. Em qualquer outro lugar, ele teria alguma chance de não ser nocauteado. Que se levantem as pernas, então, naquele andar sem chão do dia a dia. Café da manhã, banho, rua. Hoje gritaria como um recém nascido...

15.5.10

Etc

Tem um tanto que se esconde, mesmo nas menores coisas, que me omite o básico. Dos momentos, dos términos, dos inícios, o que deveria haver em demasia e não seria um exagero, é só penumbra e não é quase nada. Desagradável, então, esse sentimento de sentir em vão. Que bate forte quando a noite cai, quando a chuva cai, quando as máscaras caem.

15.2.10

Vida nos trópicos

Outro dia vi um filme. Contava uma história de amor onde homem e mulher se amavam louca e europeiamente. O filme os separava quase toda cena, mas, no final, eles abandonaram o roteiro e gravaram o "tape" final à margem de uma linda lareira de mármore, abraçados e lindos. Veja só, essa beleza foi certamente seguida de minhas lágrimas suadas, deslumbradas. Eu e lágrimas, maravilhadas pelo fim do filme.
Mas aqui está quente demais para lareira e o clima tropical brasileiro é carnavalesco em demasia para romances. Meu Tristão é só um João, e, embora o pão nosso de cada dia seja roubado, temos um almoço cristão; Rabada.
Não tem choro, nem vela. Não tem sacada para declaração. Por pouco não perco minha novela. Sem mais papo, então. E o suor escorre, o menino na rua. O pecado corre, e a GloBeleza novamente nua.
Pé no chão, pé na lama. Aqui a vida é pagã, mesmo com um reino de Deus blindado em cada esquina. E ninguém reclama, pois está na hora do samba. É o samba, é o samba. É uma droga carioca; 50 graus de manhã.
Mas o drama, a armadura e o Romeu vão é ficar para depois do desfile da Mangueira. A paixão, a canção, o Alencar e a sua Senhora, é o que sobrou no sobrado ao lado do Maracanã, que, aliás, ainda está por limpar.

28.1.10

Meu senhor

Minha garganta arde com o gole exagerado, inesperado.
Minha língua áspera,
gota a gota,
e vem logo aquele beijo na boca do estômago.
Quase dá para suspirar.
Como é bom,
seu amor numa taça.
Meu rosto queima,
morno, turvo.
Atiça meu desejo,
de novo e de novo,
mais uma taça.
Desperto do meu esboço mais mal feito,
e o contido, revela-se, mas é mentira.
Do sentido, ou sentidos, despeço-me.
Na outra taça, desgraça.
Faço-me palhaça
e fico zonza com o som da minha própria gargalhada.
A garrafa de sangue barato,
para as minhas veias escravas.
Quase posso sentir, agora,
o olhar perdido no cristal.
Cheia do amor vazio de uma taça quebrada.

26.1.10

Herdei de mim.

Ah, se eu saísse por aquela porta, a mesma em que um dia bati por várias horas, e largasse as taças de vinho mal acabadas. Eu herdei um sonho fechado focado apenas em você, e acordei mais tantas vezes sufocado nos teus cabelos. Eu sairia agora sem perguntar o porquê, mas como? Saberia que teu doce mel é para mim, e teus pecados são meus preciosos, queridos, bocados de calor. Estamos como bobos da corte, servindo ao desejo e ouvindo os barulhos da rua, calados. Desde que eu me matei de amores em teu nome. Você é louca, que me mantém nesse apartamento. E a verdade nua e crua é que não temos mais nada além do lençol em que nos enroscamos. Tantos foram os beijos que trocamos, e suplico a vida dourada cuja ausência me caleja o espírito. E minha mão pagã conhece tuas curvas, a boca adormecida e um bafo quente dividido injustamente. Teus beijos. Como eu sairei agora que o lado de fora se foi? Meu lado de fora. Só restou aqui dentro, amor. Esquece a agonia e os tapas da última briga. Esqueça já os gritos que eu joguei. Se bem me lembro haveria um momento para nós hoje è noite, e seríamos os mesmos entre tantos outros que já fomos. Seriamos amantes além dos incompreendidos de longa data.

11.1.10

Gravidade

Alguma coisa me traz de volta, como se eu não fosse mais voltar. Tão impetuoso e adorável, exatamente do jeito que deveria ser. Liberte-me. Eu sei, agora que eu fugi, aprendi o que é a vida. Estou quase cega, portanto, liberte-me, deixe-me ir. Eu não quero me apaixonar novamente pela minha própria gravidade.
Eu entendi, que estaria aqui mesmo se você me soltasse, e isso é impossível. Mas não há um único momento, em que você não me esteja caçando, me tocando em toda parte, sufocando. Sem perdão, você me põe para baixo, me empurra. Isso não é amor, e eu não posso continuar perdendo o meu todo mínimo na sua imensidão.
Insisto, então, liberte-me. Mesmo que eu não tenha esperanças, eu peço; saia de cima de mim, pare de me prender ao chão. Se fosse bom, eu não sentiria um vazio sob meus ombros, tão mais forte do que eu. Eu certamente não me sentiria tão só, mesmo com mil vocês me abraçando.
E se eu ficar mais velha, ainda com esse peso? Minha coluna tão envergada, meus joelhos tão caóticos... e se eu cair uma vez mais? Você não vai me ajudar a levantar. Estaria finalmente exposta como você sempre quis; no seu centro de equilíbrio e completamente vulnerável. Meu libertino, eu não serei sua, mesmo você me tendo. Não saberia como voar, como erguer minha cabeça, se entregar meu coração à gravidade sem fim. Não teria nenhuma certeza, se sequer tenho noção de mim. Liberte-me.