28.2.11

Sopro

Eu só presto para o amor, embora meu amor se preste para tudo, até as ínfimas coisas, até a última gota. Anseio mais, desde sempre, a véspera do sopro do bafo da vida que me acorrenta como uma serpente; o momento - enfim - em que me consagrarei aquilo que creio ser, e que se crê em mim existente, presente.
Eu só sirvo para isso. "Isso", que consiste no sonho sem sonho, nas ínfimas coisas, na última gota.

24.2.11

Ser

Você é como uma nuvem que faz chover em mim. Você é como o solista, no violino ou no piano, que dá graça à uma orquestra, é como a palheta de cores que pintam um céu de verão, ou a calmaria serena que se estende nas horas de inverno. Você é uma canção dedicada especialmente para ninguém em especial, você evapora um pouco em tudo o que toca, fácil de absorver. Você é uma folha ao sabor do vento, mornamente levitando no ar de uma tarde. Você é como uma boa notícia vindo, acontecendo, sendo. Você é muito mais que eu jamais posso conter, mas eu te tenho por absoluto em cada sorriso que dou. Você é doçura de quando se acorda só por acordar, quando se abre o coração só para doar, quando se espera pelo luar. De tudo, eu não sei como explicar, mas você é como deveria ser. Você é a metade do inteiro que nunca realmente existiu em mim. Você me faz perceber que sou só um pedacinho. Estranho assim dizer, mas você já me diz tanto, e é exatamente como deveria ser; sem exageros, retoques, fantoches, estoques. Estranhamente, você é como eu, e então eu sou como sempre quis ser e nós juntos somos como eu e você.

13.2.11

Nada faz sentido

Que confusão é o vento, quando ele venta como agora. Sem direção, sem coração. Eu digo, vem, estamos em sintonia. Eu sou ar também, digo em voz alta. Eu confesso ao vento que venta em mim. No meu pulmão, é uma ventania dançante. No meu coração, é uma brisa, mas transborda. Fecho os olhos e sinto o vento no meu rosto. Imagino uma cortina leve balançando. Imagino cabelos esvoaçantes, olhos molhados, cachecol voando para longe, árvores agitadas. Respiro fundo; mais ar, mais combustível. Imagino paredes caindo, folhas sequestradas, braços abertos, meu rosto. Seu rosto. Ele encosta em mim, vindo com o vento, ele me toca na face. Torno, então, a abrir os olhos, e expiro a calmaria que se seguirá. Eu olho para o ar em movimento e percebo o fugaz momento em que não acho sentido, não me faço sentido e exatamente por isso não acho desperdício tamanho rebuliço que é causado pelo vento. Minha mente traga seu rosto, meus olhos observam a ventania em suas milhões de cores, meu pulmão enfim respira, e meu coração... meu coração humildemente me dá a mão. Seja lá o que aconteça, eu e ele sabemos que nunca faremos sentido perante o vento. Ambos apenas sentiremos.

10.2.11

Luar

Chorou de tanto amar.
Amou de tanto sonhar.
Sonhou de tanto esperar.

Nadou, remou para encontrar,
e gritou, olhou para o mar.

E chorou, pelo sonho de amor
que cansou de esperar.

O porquê absurdo.

Ela perguntou. Ela queria o motivo, mas, sabia, não havia algum. "E eu?", indagou, descobrindo, num susto, que nada era seu.
Sem mais perguntas, ela esperou que o silêncio se consagrasse mudo, e todo o resto se tornasse nulo. Ela aguardou que o tempo tomasse seu rumo, lhe tomasse seu tudo, moldasse um futuro. Ela acalmou por um segundo, para se achar sentada em cima do muro. Fechou os olhos para que continuassem puros, e jurou que jamais tentaria o absurdo de se explicar para o mundo.

1.2.11

Festim

Chove. E chove muito... É engraçado como eu sempre paro pela chuva e para a chuva, observo-a por horas, e não me importo que me molhe na janela. É curioso também, como parece que mais nada pára diante dela, o mundo continua. Ninguém parece perceber a paz que cai do céu.
A chuva tem um poder sobre mim; ela me faz pensar de uma maneira diferente. Diferente pois é um pensamento só meu, na medida que nunca ouvi alguém falando sobre chuva, então sinto como se essa reflexão em mim fosse pura. Tenho meu ponto de vista intocado pela opnião alheia, e essa certeza de individualidade e independência, até de egoismo, me faz feliz.

Queria mesmo ser uma gotinha de chuva. Eu poderia ser tanto, como parte da beleza imbatível de uma tempestade, ou de uma chuva ordinária qualquer. Eu apostaria corrida com outras gotas na janela de um carro em movimento. Eu deitaria em uma lágrima, se tivesse a sorte de molhar num rosto. Tentaria brindar amores, beijos, brincadeiras, perdas. Sentiria na queda somente a certeza de cair. Eu seria livre pelo sonho de um dia juntar-me ao mar. Poesia. Não tem nada mais poético que isso, e eu queria, pelo menos uma vez, que essa chuva fosse para mim.