19.10.10

Não o diga.

Eu sempre escondi essa palavra dentro de mim, e ela sempre se escondeu nos meus pensamentos. A palavra não gostava de ter seu nome dito em voz alta, não gostava do seu som com a minha voz e, por isso, ela nunca se mostrava tão claramente para mim. Mas, ao mesmo tempo, ela adorava deixar marcas de sua existência, e, toda vez que eu me esquecia dela, escrevia suas letras na minha língua. Quando eu sentia o gosto amargo, já era tarde, e a palavra se misturava na saliva. Se misturava a mim.
Por isso, de tanto me sentir vulnerável ao seu controle e, na maior parte do tempo, com medo de que, se eu a contrariasse e a gritasse sem pudor, ela se faria valer rainha no meu coração, eu emudeci por completo. Tratava-a com outros nomes, pela boca de personagens que criava, de dores que imaginava lhe serem semelhantes. Tentava lidar com ela, a palavra censurada.
Mas agora, ela mudou sua conduta. Parece que, tanto quanto eu, procura liberdade. Convocou-me hoje cedo, me contou do seu desejo de ser, de se mostrar, exibir, banhar-se em significado. Eu, agora feliz de o fazê-lo, obedeci. E, tentando num tom vacilante não tossir, disse: Perda. Pensei, esse é o substantivo. Disse, então: Perder. Perdi. Perderei. Pensei, entorpecida, esses são verbos. Essa é a palavra dita. De repente, lá estava ela, e me perguntei o porquê do meu receio por seu poder. Agora estávamos juntas, a Perda e eu, e, por alguns segundos, pensei que isso seria bom.

14.10.10

Manifesto das Migalhas

Não conheci muitas coisas ou sentimentos depois daqueles dias. Parece que, passado o tudo, lotou-me um monte de nada. E esse inexistente conteúdo me deixa sempre sufocada de vazio. É vazio da ponta dos dedos até os fios de cabelo. Sinto-me carregada pela força do nulo, levando-me ao mundo, como se eu mesma me estivesse guiando.É engraçado observar o rumo que meus pés acabam tomando; obviamente pés não tem memória, e os meus estão sempre me demonstrando tamanha levianidade quanto aos acontecimentos do passado. Os pés sempre cambaleiam para onde já deixei um pouco de mim. Levam-me de volta e de volta ao erro conhecido. Palavras mal ditas e vazias de significante, eu digo. Quedas de mal jeito e colisões indesejadas, eu cometo repetidas vezes. Mas de tudo, resta nada. De você, só migalhas de coisas e sentimentos bons. Daqueles dias, só fotos e cartas.
Quero uma nova reta, sem muitos desvios dessa vez. Uma que não deixe meus pés viciados no mesmo pecado. Eu rogo por memória com liberdade para esperar mais que a rotina alejada que me guia nessa estrada. Eu confesso meus passos, dê-me paz.

12.10.10

Eu olhei...

para trás. Foi isso, não deveria tê-lo feito. Agora tenho essa maldita dor no músculo do pescoço, cuja rigidez me obriga a olhar para trás periodicamente, para aliviar a tensão. Mas, na medida que ajuda nesse aspecto, trouxe-me tantas vezes de volta as recordações que eu poderia ter deixado para... trás. No tempo, na história, no passado, eu continuo encarando mais do que gostaria. Do que deveria. Agora tenho cravada na nuca a sentença a procurar instintivamente a mesma rota já percorrida, e, pior, a olhá-la, sem poder remediar, mudar ou... esquecer.