25.11.10

Sobre mares e amores engarrafados.

Sou eu, o amor. Quero contar como me transformei de alegria a dor, como posso ser o que sou, mesmo onde estou. Se me lembro bem, você me sugou de suas veias, me colocou numa garrafa vazia, fechou e jogou sem pudor na praia do Arpoador.
Desde então, querida, procuro contar-lhe como estou:
Acordo toda noite boiando inerte à vontade das marés que, quando calmas, ludibriam as ondas para que eu possa aproveitar as estrelas, soberbas, fazendo-me brilhar como mais um ponto de luz no oceano escuro. Por vezes, as correntes marítimas me puxam para o fundo, onde, submerso, eu sufoco no chão arenoso, pertubado com o uníssono rugido engarrafado de outros amores que, assim como eu, convivem solitários embriagados pelo seu próprio conteúdo; vinho vencido, derrotado.
Outrora fui belo, bonito. Hoje, a maresia me tem corroído. Já fui senhor, dono de castelos e regalias. Agora, desejo somente uma rachadura nesse vidro esverdeado, que me liberte, permita que me funda às águas salgadas que me cercam, que me reduza voluntário à imensidão.
Quando fecho os olhos, querida, penso em você, que me fez náufrago. Penso em como me condenou ao mundo líquido maleável de tudo o que fomos. E, acima de tudo, quero que pense em mim. A cada chuva, a cada lágrima salgada, lembre de mim. Um dia, vou achar a rota de volta, sem bússola ou mapa, desaguarei nos seus lábios, farei-a sentir meu gosto avinagrado, sufocarei-a com minha sede infindável. Querida, um dia, eu sei, você voltará a beber desta garrafa, que flutua nômade em águas passadas.

17.11.10

Mariposa refletida.

Ratificada, ela meramente fitava o espelho, absorta na imagem traduzida de uma menina fraca e escassa;
de sua boca lhe escorria ferrugem,
de suas unhas, escorria o caos,
e, dos seus olhos, nada. Inundados de secura.

Ela imundamente existia.
Estudava a epifania clara
naquele conjunto de prata com vidro;
um amor efêmero, doce, ardente, vermelho.

Corpo Doente.

Apenas uma menina, mas compreendia,
ao contemplar-se nua,
sua esquizofrenia.

Ela suportava a memória pungente,
que
escorria.
Memória de um passado sádico,
a encará-la, gemendo indecentemente,
espelhado.

1.11.10

Dilúvio

Eu não juraria um minuto da minha sanidade por aqueles olhos,
mas como eles olham.
Aquele foi o dia chuvoso mais claro de todos.
O cheiro de terra molhada tomou conta do meu sistema respiratório,
o clima frio se esparramou na minha epiderme,
deixando-me arrepiada.
Finalmente,
seus olhos dominam os meus,
prendem meu fôlego ao seu,
grudam sua pele na minha.
De repente,
não preciso sorrir,
não me lembro de cogitar a felicidade,
você está aqui.
Agora chove dentro de mim, também.
E as águas de antes foram lavadas,
levadas pela beleza que você me dá
apenas com um olhar.