28.1.10

Meu senhor

Minha garganta arde com o gole exagerado, inesperado.
Minha língua áspera,
gota a gota,
e vem logo aquele beijo na boca do estômago.
Quase dá para suspirar.
Como é bom,
seu amor numa taça.
Meu rosto queima,
morno, turvo.
Atiça meu desejo,
de novo e de novo,
mais uma taça.
Desperto do meu esboço mais mal feito,
e o contido, revela-se, mas é mentira.
Do sentido, ou sentidos, despeço-me.
Na outra taça, desgraça.
Faço-me palhaça
e fico zonza com o som da minha própria gargalhada.
A garrafa de sangue barato,
para as minhas veias escravas.
Quase posso sentir, agora,
o olhar perdido no cristal.
Cheia do amor vazio de uma taça quebrada.

26.1.10

Herdei de mim.

Ah, se eu saísse por aquela porta, a mesma em que um dia bati por várias horas, e largasse as taças de vinho mal acabadas. Eu herdei um sonho fechado focado apenas em você, e acordei mais tantas vezes sufocado nos teus cabelos. Eu sairia agora sem perguntar o porquê, mas como? Saberia que teu doce mel é para mim, e teus pecados são meus preciosos, queridos, bocados de calor. Estamos como bobos da corte, servindo ao desejo e ouvindo os barulhos da rua, calados. Desde que eu me matei de amores em teu nome. Você é louca, que me mantém nesse apartamento. E a verdade nua e crua é que não temos mais nada além do lençol em que nos enroscamos. Tantos foram os beijos que trocamos, e suplico a vida dourada cuja ausência me caleja o espírito. E minha mão pagã conhece tuas curvas, a boca adormecida e um bafo quente dividido injustamente. Teus beijos. Como eu sairei agora que o lado de fora se foi? Meu lado de fora. Só restou aqui dentro, amor. Esquece a agonia e os tapas da última briga. Esqueça já os gritos que eu joguei. Se bem me lembro haveria um momento para nós hoje è noite, e seríamos os mesmos entre tantos outros que já fomos. Seriamos amantes além dos incompreendidos de longa data.

11.1.10

Gravidade

Alguma coisa me traz de volta, como se eu não fosse mais voltar. Tão impetuoso e adorável, exatamente do jeito que deveria ser. Liberte-me. Eu sei, agora que eu fugi, aprendi o que é a vida. Estou quase cega, portanto, liberte-me, deixe-me ir. Eu não quero me apaixonar novamente pela minha própria gravidade.
Eu entendi, que estaria aqui mesmo se você me soltasse, e isso é impossível. Mas não há um único momento, em que você não me esteja caçando, me tocando em toda parte, sufocando. Sem perdão, você me põe para baixo, me empurra. Isso não é amor, e eu não posso continuar perdendo o meu todo mínimo na sua imensidão.
Insisto, então, liberte-me. Mesmo que eu não tenha esperanças, eu peço; saia de cima de mim, pare de me prender ao chão. Se fosse bom, eu não sentiria um vazio sob meus ombros, tão mais forte do que eu. Eu certamente não me sentiria tão só, mesmo com mil vocês me abraçando.
E se eu ficar mais velha, ainda com esse peso? Minha coluna tão envergada, meus joelhos tão caóticos... e se eu cair uma vez mais? Você não vai me ajudar a levantar. Estaria finalmente exposta como você sempre quis; no seu centro de equilíbrio e completamente vulnerável. Meu libertino, eu não serei sua, mesmo você me tendo. Não saberia como voar, como erguer minha cabeça, se entregar meu coração à gravidade sem fim. Não teria nenhuma certeza, se sequer tenho noção de mim. Liberte-me.