25.10.09

Velhota do bairro

Transformou-se numa velhota.
Triste verdade, e cruel realidade.
Ainda se lembra de seus tempos de cocota,
a famosa Maricota,
dos Arcos da Lapa e mulher do Gusmão.
Agora, é motivo de chacota
entre os tantos do bar,
os poucos do lar.
Triste Maricota,
como sabia sambar!
Na pista era rainha,
mulher carioca,
sempre em primeiro lugar.
E agora, chorosa,com o pó de arroz usado,
vestido de segunda mão
e esmalte descascado,
procura, saudosa, a juventude, em vão.

Direção contrária


Sigo para lá e para cá.
Deireita e esquerda.
Sigo o sentido da brisa que vem do Norte,
assim como o da ventania que vem do Sul.
Sigo no sinal vermelho,
como sigo no verde, amarelo, no preto e no branco.
Bussola quebrada em mãos.
Migro no inverno do Rio,
e no verão de 40°, eu hiberno.
Sigo o rumo duvidoso da rotina,
aquela do dia-a-dia desgostoso; me canso.
Sigo a correnteza de um rio e deságuo no oceano,
deságuo no oceano e sigo a maré,
sigo a maré e não dá mais pé.
Em alto mar, já, nado e nado, como num mesmo ponto de partida.
Enfim, sigo cardumes inteiros,
direto para a rede de barcos pesqueiros.
Sem tempo, encontro-me cigana em terras distantes,
perseguindo, agora, os nômades, sem casa,
sem lar, abrigo e nem sequer um tostão.
Mas depois de tudo, encontro um destino cretino,
na palma da minha mão.


Revolução


Eu quero um amor na virada de uma esquina, que me faça perder meu eu, num teu. Quero um amor ordinário, que me faça em frangalhos sem mais nem menos. Um amor sem pai nem mãe, vergonha ou pudor.
Amor com sabor de decisão por pênalti, de prova final. Quero o gosto da fruta que não pode, do acorde impossível.
Não mais sentir os pés no chão, com o coração na mão. Pedir, implorar, roubar e matar; quase um ataque cardíaco.
Um amor que acabe com tudo, devaste meu mundo e me faça um nada desnudo. Que tenha dor, esse amor; aquela dos dias com mais de 24h, da falta de ar, das noites de insônia e do aperto no peito.
Nada de meio termo, razão ou tempo. Sim, de joelhos, gritando, exigindo. Tenho um amor assim, e posso viver de água e pão. Virar rebelde sem causa, cansada, descalça, enfim, não interessa.
Quero um amor sem coração.

2.10.09

Primavera dos pecados


"Raios! Moléstia sem fim!"
Ele bradou, dando um soco na parede. Também, podia; era frustrante ser quem ele era. Não direi muito diretamente, talvez alguém não goste. Enfim, ele estava realmente fora de si. Quer dizer, muitas vezes é bom e satisfatório ser o Senhor do Mal, mas quando não se recebe o crédito pelo trabalho bem feito, é complicado.
O drama todo, basicamente, era que depois de anos e mais anos se empenhando no aperfeiçoamento das práticas do mal, os malditos humanos estragam tudo. Ele escreveu tudo de errado em linhas certas, à sangue, e as pessoas entenderam. Mas quando ele viu sua criação, os sete pecados, como que bebês, sendo mascarados, não pôde acreditar!
Como era belo! Todos seguindo seu exemplo e semelhança, até que resolvem relacionar ao produto do demo, uma palavrinha dócil. Vide "inveja boa". É de matar.
Ele sentou em seu trono de espinhos, pensando, inquieto, no resumo das coisas. Já faz um bom tempo, seus pecados foram desvalorizados. Aonde será que isso realmente levava sua criação?
Lembrou-se com rancor, também, do medo que costumava provocar. Agora, é só um incômodo. Hoje a raiva é construtiva, a avareza é sinal de inteligência e luxúria é propaganda. Dizem sempre que deus devia estar chorando lágrimas de sangue, mas e ele? Oh, chorava lágrimas de água benta!
"Sim, acho que perdi meu monopólio. O controle pertence somente aos humanos, a partir de agora. Criam o próprio abismo, não precisam mais de mim. Raios! Aprenderam direitinho, os danados!"
E como conclusão, já subordinado, cossando a testa lotada de chifres, percebeu que estava na primavera dos pecados; aqueles que ele mesmo cultivou.
"Eles crescem tão rápido", suspirou o demo, com o coração lotado de ternura.