17.6.09

Até mais, senhora

Campainha tocando. Era tudo o que ela precisava, bem no meio do Notícias da Noite ,alguém, que com certeza não seria mais que um entregador, interrompia.
Pelo menos seria uma mudança. Ninguém visita a Joana do setor de atendimento, desde que ela se mudara de sua cidade natal, para a beira de uma estrada, onde vivia praticamente isolada.
As vezes é simplesmente difícil se relacionar com as pessoas, principalmente se você cresceu entre bois e tortas de maçã. Mas isso tudo não vinha ao caso. Melhor atender logo e voltar ao sofá velho da sala da sala.
- Quem é?
- Entregador.
Claro. Grandes surpresas para essa noite especial de sexta-feira. Um encontro de 5 minutos com o entregador. Pior que devia ter algum mal entendido nessa história. Joana não se lembrava de ter encomendado nada. E que tipo de entrega é essa no meio da noite?
Olhando pelo olho mágico, parecia um cara normal. Abrir a porta.
- Sim?
- Boa noite. Senhora Joana Kneth?
- Sim.
- Aqui está seu caixão Morbidus 2000.
- Meu o que?
O homem parecia muito magro para suas roupas e muito simpático para seu serviço de entregador noturno. Mas, mais estranho ainda, ele estava lhe dando um caixão! Aqueles, onde colocam e enterram os mortos. Mesmo que eu fosse me matar ou matar alguém, não pediria em casa. Que coisa horrível. Certamente era uma brincadeira de mal gosto e dentro do dito cujo teriam várias espigas de milho estilo Clark Kent.
- Seu caixão. Veja, é uma belezura. A senhora tem muito bom gosto. Pode assinar aqui, por favor?
- Deve haver algum mal entendido.
- Não.
- Sim.
- Você é Joana Kneth?
- Sou, mas nunca encomendei caixão nenhum.
O homem soltou uma risada abafada, como se tivesse achado graça, o que deveria ser pelo fato deu estar bancando a idiota de novo, quando alguém me sacaneia.
- Oh, não. Tenho certeza que não foi a senhora quem encomendou. Mas é seu. Assine.
- Não vou assinar nada! Ora, veja só! Bater aqui em casa a essa hora para brincadeiras!
Já ia fechando a porta, cheia de indignação e uma bola no estômago quando o homem, estendendo seu braço magricela, a impediu.
- Desculpe-me, mas não é brincadeira. Estou apenas fazendo meu trabalho e gostaria que a senhora me ajudasse a voltar logo para casa. Você pode tentar se livrar do caixão, apenas deixe-me completar a tarefa.
- Certo, que seja.
Papéis assinados, caixão posto para dentro de casa e ela pôde finalmente voltar para seu programa. Esqueceu de se despedir do entregador, mas pela rapidez que ele foi embora, estava realmente afim de terminar o turno. Quer dizer, quando ela acabara de arrumar um espaço para o caixão, ele já havia sumido.
Quem poderia ter planejado E concluído uma brincadeira como aquela? Não era uma coisa boba; na verdade era bem macabra. Joana estava sozinha, comendo macarrão de microondas e assistindo a um jornal noturno com um caixão que tinha uma presença fria e desconcertante. Ou talvez seja só sua imaginação, já que caixões não costumam ter uma presença.
Sentou no sofá e via a TV. Mas sua cabeça estava a alguns passos atrás, onde jazia seu mais novo companheiro. Era estranho demais para ser verdade. Alguém realmente desejou esse momento. Nota-se pela qualidade da madeira do caixão. Tinha uma cruz de ouro cravada e um acabamento perfeito. Não resistiu e foi conferir dentro (jurou a si mesma que se tivesse alguém com uma câmera ela se fingiria de morta).
Mas estava vazio e acolchoado com um veludo grenar muito macio. Relmente macio. Chegava a soar como uma boa ideia dormir ali dentro.
Esses pensamentos a assustaram. Um golpe de ar frio passou pela janela e a fez estremecer. Será que a pesssoa que fez aquilo a estaria observando agora? Tirou a mão do veludo, sentindo que ele podia sugá-la a qualquer instante e ligou todas as luzes.
Foi na cozinha beber um copo d'água, perguntando-se como dormir com Ele, cuja presença tamanha impedia de ser chamado somente como 'caixão', ali no chão do hall.
Perdida entre o 'ligar para alguém' e o 'não tem para quem ligar' ela ouviu mais uma vez a campainha. A campainha. Tocando. De novo.
Com a mão trêmula e ainda segurando o copo, agora vazio, ela abriu a porta relutante, sem ao menos ter perguntado quem era.
- Oh meu deus! Agora eu entendi tudo, senhora! Por favor, perdoe o Jonas aqui, ele confundiu as fichas!
Era o mesmo entregador de antes. Ele foi entrando apressado e falando coisas que Joana nem conseguia ouvir direito, devido a sua voz falha.
- O que aconteceu?
- Eu confundi. Não era a sua vez de receber o caixão, por favor, me perdoe. Ele devia estar na casa da senhora Kenny. Não se preocupe, vou levá-lo daqui e a senhora poderá voltar ao Notícias da Noite como se nada houvesse acontecido essa noite.
Pegando Ele, como se fosse uma pluma de tão leve, foi arrastando para fora de casa, com o olhar fixo na rua. Por algum motivo, Joana ficou brava. Ela queria Ele lá; gostara de sua presença.
- Espere. Como você sabia...?
O riso rouco ecoou novamente, agora com um tom ameaçador.
- Você o terá de volta. Eu volto com ele quando for sua hora, certo?
- Volta...? Como assim? Quem me mandou isso afinal?
E virando de costas numa vivacidade que não correspondia à sua magreza, o homem foi embora. Mas agora se despediu.
- Até mais, senhora.
E sumiu.
Ela fechou a porta e voltou para a sala. Sentou no sofá e viu a TV. Mas sua cabeça estava novamente no chão vazio, onde a um momento atrás jazia o caixão. Sua presença, agora mais mórbida do que nunca.

3 comentários:

  1. como de costume tenho que mandar um comentário sem ter nada a ver com o post.
    isso sim é algo morbido, hm... só não lhe mando um presente desse porque não quero que você morra, pelo menos não agora.

    ResponderExcluir
  2. Eu ouvi voce falando sobre essa historia com a Luisa ontem na aula hohoho (sou fofoqueira)

    ResponderExcluir
  3. Eu não quero ganhar um caixão :S

    ResponderExcluir