25.11.10

Sobre mares e amores engarrafados.

Sou eu, o amor. Quero contar como me transformei de alegria a dor, como posso ser o que sou, mesmo onde estou. Se me lembro bem, você me sugou de suas veias, me colocou numa garrafa vazia, fechou e jogou sem pudor na praia do Arpoador.
Desde então, querida, procuro contar-lhe como estou:
Acordo toda noite boiando inerte à vontade das marés que, quando calmas, ludibriam as ondas para que eu possa aproveitar as estrelas, soberbas, fazendo-me brilhar como mais um ponto de luz no oceano escuro. Por vezes, as correntes marítimas me puxam para o fundo, onde, submerso, eu sufoco no chão arenoso, pertubado com o uníssono rugido engarrafado de outros amores que, assim como eu, convivem solitários embriagados pelo seu próprio conteúdo; vinho vencido, derrotado.
Outrora fui belo, bonito. Hoje, a maresia me tem corroído. Já fui senhor, dono de castelos e regalias. Agora, desejo somente uma rachadura nesse vidro esverdeado, que me liberte, permita que me funda às águas salgadas que me cercam, que me reduza voluntário à imensidão.
Quando fecho os olhos, querida, penso em você, que me fez náufrago. Penso em como me condenou ao mundo líquido maleável de tudo o que fomos. E, acima de tudo, quero que pense em mim. A cada chuva, a cada lágrima salgada, lembre de mim. Um dia, vou achar a rota de volta, sem bússola ou mapa, desaguarei nos seus lábios, farei-a sentir meu gosto avinagrado, sufocarei-a com minha sede infindável. Querida, um dia, eu sei, você voltará a beber desta garrafa, que flutua nômade em águas passadas.

2 comentários:

  1. Maravilhoso, simples e inspirador! :)
    Adorei, maninha.

    ResponderExcluir
  2. Matheus Carnes4:31:00 PM

    Até esqueci de comentar
    Lindo texto,amor
    Valeu o tempo

    ResponderExcluir