28.6.10

Manifesto Nanquim

Alguns dias eu acordo, e não sinto sono, não sinto vontade de acordar, não sinto nada. Então, dou-me por mim; um corpo sujo de nanquim, com a pele cheia de eca de tinta. E ponho um fim nas recordações que tais manchas me trazem. Busco, instintivamente, seu amor ao meu lado, você. Seus dedos, seus pés, cabelos, braços, pelos, unhas, lábios. Mas encontro lençóis frios e macios, de uma textura que parte meu coração. Fico estática, percebendo o quão em vão foi acordar, sentindo sua falta num fluxo engarrafado na minha garganta, e freios emperrados.
As energias que me regiam agora dançam em órbita desse amor que morre em mim todo dia. Amor com remetente não localizado que, sem ter para onde ir, se esquece em mim. E morre para renascer amanhã.
Você morre. Toda vez que acordo e me lembro que te perdi, você se vai de novo, para mim. Enfim, seu destino de cetim negro carrega meus olhos de fumaça. E o que restou de mim? Essas marcas de nanquim, das tantas vezes que beijei desesperadamente minhas palavras rabiscadas em minhas cartas negadas. Jamais enviadas, jamais lidas.
Essas manchas das vezes em que me pintei as pontas dos dedos, tentando lhe enviar o amor que ainda há, que não foi enterrado e nunca será.
É sempre assim: eu acordo, lembro, amor. Como eu amo. Faço o café, banho e longas pausas encarando uma parede qualquer; seu rosto. Eu ainda amo.
Sonho com você, penso em você. Penso em como há um fim em mim, que acontece de ser o seu. Sonho que nunca terminaria, nossa vida contida num tanto de carinho que não tornarei a sentir. Como foi nossa despedida, sua morte, minha vida. E, mais uma vez, penso em como consegue ainda ser uma ironia; é, esta, nada além de outra carta para você.

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