6.6.10

Estátua


Camille bailava com seu cavalheiro bêbado, como dois jacobinos, em passos embolados e mãos emaranhadas. Seu vestido escarlate criava vida. Seu riso ganhava vida, e a própria vida voltava a fazer algum sentido. Sentido esse que havia se apagado perante a luz ofuscante da letra cursiva que assinava sua obra; Rodin. Desde que Camille o abandonara ao único afeto das costas frias de suas esculturas, havia ela mesma se condenado a virar uma. Mas essa noite, ela bailava com um novo homem, dono de uma nova ternura que lhe dava algo indecivrável. Naquele redemoinho de corpos embriagados, vozes excomungadas e mais alguma coisa ausente que a atormentava, ela se deparou com o olhar de pedra de uma velha. Seus olhos traduziam tempos passados, e o presente era acusado de vermelho, naqueles olhos. A feiúra daquela pele enrugada era de dar dó. Tal pele não via o calor de um carinho a muito tempo, pressupôs Camille. Porque a velha a fitava? Tão pedantemente sentada em sua cadeira de veludo preto, com seu vestido de rendas pretas, mais parecia que ela personificava o luto por si mesma. Camille não podia dividir daquilo, e pôs-se para fora deixando velha e acompanhante para trás, correndo contra o ventro frio de uma Paris escura em pedra. "Porque, porque?", chorava. Cobrava de si o porquê de ter-se largado como um mártir ao trabalho de um homem que só lhe viria a ser um mestre. Deixou-o acariciar seu ventre nu, e não perceber que, dentro desse ventre, alimentava um fantasma. Camille sentiu seus gritos ecoarem na surdina. Apenas sua arte a faria falar a partir de agora. A dor que fabricara em mármore, agora lhe escorria pelos olhos de pedra.

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